← Back Published on

Janne Ruth: “A arte atravessa o ser humano, ela fala no seu ouvido”

Em entrevista ao EntreFios, a professora, coreógrafa e fundadora do Fendafor fala sobre sua relação com a arte, o desenvolvimento de projetos culturais ao longo dos anos e do forte impacto da dança em sua vida

Por Evellyn de Castro, Isadora Azevedo, Julia Lima, Paulo Roberto Maciel, Rafael Santana e Rangel Diniz

Janne Ruth concedendo entrevista ao site EntreFios / EntreFios

Delegada do Conselho Brasileiro da Dança no Ceará e fundadora do Festival Internacional de Dança de Fortaleza (Fendafor), a história de Janne Ruth mesclou-se com a cultura artística contemporânea do Ceará e com a luta pelas políticas de proteção às artes populares. Para alguns, a diretora e política; para outros, a professora e coreógrafa. Uma mulher de muitas versões, mas com um universo em comum e um carisma exclusivo.

Sempre com um olhar essencial voltado à arte, observando-a como recurso necessário para aumentar o potencial crítico, expressivo e o autoconhecimento dos jovens nordestinos, a dança também esteve presente em sua vida desde seus primeiros anos de vida, e foi dessa arte que ela tirou forças para traçar um caminho de luta pela defesa da cultura no estado do Ceará. “A dança é muito mais que seu corpo, quando é a sua alma”, define.

O poder da arte assume posições difíceis de serem imaginadas. E, assim, nasce a história de Janne. Criada em um bairro de classe média baixa e tendo como referências seus pais, a coreógrafa percebeu, durante a vida, que seu objetivo deveria ser de impactar a vida de outras pessoas ao seu redor.

Em entrevista concedida ao EntreFios em 1º de novembro de 2022, Janne relata que encontrou, com o passar dos anos, novas formas de usar sua arte para contribuir para a vida das pessoas ao seu redor, especialmente das que moravam em seu bairro. Desde a criação da ONG Grupo Bailarinos de Cristo até a idealização de um festival de dança em Fortaleza, Janne plantou e colheu os sonhos que nem mesmo ela sabia que tinha. A arte, portanto, a descobriu e foi descoberta por ela na mesma intensidade.

Se Janne puder deixar sua marca nos cantos por onde passa e puder ser lembrada como um agente de mudança, então parte do seu propósito estará cumprido.

Confira a entrevista, em vídeo e transcrita na íntegra, a seguir.

Julia: Mesmo tendo outras experiências profissionais e acadêmicas, a senhora sempre manteve uma relação muito próxima com a dança. O que lhe levou a criar essa paixão pela dança e a tornar a arte algo tão presente na sua vida?

Janne: Essa resposta é muito complicada, porque eu era muito pequena quando eu me apaixonei muito pela dança. Eu nem sei assim o porquê, o que é que a arte faz com a gente, por dentro, que ela é capaz de fazer uma menina de 9 anos ter certeza de que nunca mais vai parar de dançar. É, assim, incrível. Eu comecei a dançar por um problema no meu pé aos 3 anos e meio [de idade], na Bahia. Eu sou baiana. E, quando a minha mãe teve uma opção de que eu poderia fazer, ela disse: “Eu quero que ela dance, porque eu não dancei e eu quero que ela realize meu sonho”. Então, nessa época, era o sonho da minha mãe, e eu perdi minha mãe muito cedo — eu tinha 10 anos quando ela morreu. Quando ela morreu, em relação à dança, ficou um vazio grande, porque eu sei que ela nunca mais ia estar ali comigo. Mas eu tinha certeza de que aquele sonho já era meu. Então eu acho que a arte atravessa muito mais a alma do ser humano, ela fala no seu ouvido coisas que você não pergunta, ela faz você sentir algo que você nem nem sabe por que tá sentindo, e isso já fica muito forte em você. Então, a dança passou a fazer parte da minha história e ela entrou com tudo. Eu creio que eu não escolhi a dança, eu fui muito mais escolhida. Por algum motivo, aos 12 anos, eu já sabia que a minha dança não era só aula de balé, não era isso, era muito mais. De alguma forma, eu tinha convicção de que ela podia mudar o pedacinho do mundo, o recorte do mundo, que realmente é o que eu faço hoje, né? E é isso.

Isadora: Janne, se hoje em dia vários jovens te vêem como uma referência muito grande, na dança, tanto na parte de performance quanto na parte administrativa, você precisou de muita determinação para chegar até aqui. Quais são as principais motivações que lhe trouxeram até aqui?

Janne: Eu escrevi um livro em 2010, né? E, nesse livro, eu falo que a mulher mais importante da minha vida, que foi minha mãe, eu só tive ela por menos de 11 anos. Mas eu não precisei de mais nenhum minuto com ela para saber que eu conheci a mulher mais generosa do mundo. Eu e minha mãe, nessa época, a gente já morava no Ceará e a gente foi morar em Quixadá, porque meu pai era engenheiro agrônomo e, naquela época, na cidade do interior, tinha o engenheiro, o padre e o médico. Era assim. Inclusive, eu convivi com [a escritora cearense] Rachel de Queiroz, né? É tanto que eu fiz um balé para ela, O Quinze. Meu pai é responsável por refazer a fazenda da Raquel de Queiroz, [a fazenda] Não me Deixes, em Quixadá. Então eu fui morar em um município muito pequeno e lá tinha muita pobreza, muita pobreza mesmo. E meu pai, por ser muito rico, porque na época era assim, ganhava-se muito dinheiro, ele era um engenheiro de toda aquela área do Sertão Central, sabe como é o negócio federal, meu pai era da Ematerce [Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará]. Então ele era aquele cara que ganhava bem, ele tava no sítio maravilhoso e tudo mais, e a minha mãe nunca se encantou com nada disso. A minha mãe tinha que ajudar os pobre e ela conheceu uma casa que […] era cheio de idosos. Era uma casa da prefeitura, só que a prefeitura jogava esses idosos lá e pronto. A minha mãe toda tarde pegava eu e minha irmã — eu tinha 7 ou 8 anos; a minha irmã, três anos mais velha que eu — e levava a gente nessa casa e ia catar piolho nesses velhinho. Aí cortava cabelo, limpava as unhas, dava comida na boca, lavava a roupa e eu disse que eu me sentia muito mal, eu tinha nojo daquilo, eu não gostava daquilo, mas aquilo é a minha memória hoje do que era bondade e amor. Então eu acho que, diante da tua pergunta, eu acho que entrou essa coisa, sabe? De querer salvar; antes, era no mundo; agora, eu já sei que é um recortezinho que é dentro da minha pequena estrutura, mas que dentro do que eu faço faz muita diferença, entendeu? Até porque o meu trabalho é multiplicador: se eu tô com dez pessoas, com certeza, daqui a pouco são 20. Mas foi essa ação da minha mãe, isso que ela fazia, que eu vi que era incrível, que coisa bonita o que aquela mulher fazia. E quando ela morreu, eu senti: “Meu Deus! Eu vou ter que fazer isso aí”. Porque é tão bom fazer alguma coisa pelo próximo, né?

Rangel: Janne, a sua história com a dança e a arte é bem longa. Mas entre tantas experiências, é possível citar alguma que foi como um divisor de águas tanto na sua vida pessoal, quanto na vida profissional?

Janne: O meu divisor de águas foi quando eu pude conhecer, de fato, a dança contemporânea, a dança moderna. E por quê? Porque, a partir dali, eu podia criar os meus trabalhos, não precisava mais montar o repertório, porque o ballet de repertório é uma história recriada lá no século passado e que você faz lá a sua analogia daquilo ali, você faz a reprodução igual. Se tiver qualquer coisa errada, a sua amiga que tá na plateia vai acabar com o seu balé, vai acabar com você. E eu me senti muito feliz porque, a partir dali, eu comecei a criar os balés com que eu sonhava, como Tragam os Homens de Volta […]. Eu falei sobre as perdas na Segunda Guerra Mundial e eu queria muito falar sobre aquilo. Eu fiz tanto trabalho… Eu fiz um chamado Embrião e Morte, essa coisa desde o embrião, essa coisa incrível, da mãe, da gestação, até a hora de morrer, mas que no meio disso tem uma história de vida, e eu pude contar isso. Eu parei meu carro para dar uma esmola em 1993 ao senhor que tava de chapéu, com um saco aqui, nas costas, e ele tocou aqui, em mim, no tempo em que não se andava com o vidro do carro fechado. Ele me pediu esmola e ele disse que era para um retirante lá de Itapipoca. Um ano depois, eu tava criando um balé, seu nome era Terra: O Lamento do Sertão, pois eu fui para casa desse homem, botei a família dele no teatro. Cara, minha vida com esse cara foi uma história. Você tá entendendo como as coisas vão acontecendo? Então o meu divisor de águas foi isso aí, mas o grande presente que a dança me deu foi poder atender outras pessoas com essa dança que salva, que cura, que é linda, que… meu Deus! Sangra os ouvidos, a alma, o doce, que muda, que você às vezes acabou de acabar o casamento e diz: “Tá aqui” [“dá uma banana” com os braços, como se desse a volta por cima] e sai dançando. É incrível o que a dança faz com a gente, gente. E quando ela é muito além do seu corpo, ela é sua alma, adeus. Foi quando eu pude abrir uma ONG e hoje eu tenho 20 mil crianças atendidas através dessa ONG. Dessas 20 mil, eu perdi muitas no meio do caminho, mas eu ganhei muito mais. Então ali foi o grande presente que Deus me deu, foi me encorajar, lá nos anos 1990, a abrir uma ONG. Esse foi o divisor de águas da minha história.

Rafael: A senhora é formada em Balé Clássico e Metodologia em Dança, né? E a sua graduação mais recente foi em em Serviço Social. A senhora acredita que o seu grande contato com ONGs e projetos sociais te influenciou a escolher essa graduação e a compreender melhor o assunto?

Janne: Sim, porque foi a minha dança que fez eu abrir a ONG. Através da dança, eu abri a ONG, e a dança foi o carro-chefe que hoje é um pingo d’água no oceano. Hoje, o que vale mesmo ali é realmente formar cidadãos, deixar as pessoas conscientes dos seus deveres, mostrar como elas podem mudar a comunidade dela, a família, o vínculo familiar, uma série de coisas.

Janne: E o Serviço Social veio exatamente por isso, porque, quando eu achei que a minha dança era suficiente para eu atender essas crianças, eu me deparei realmente com a questão social. Vocês que são jornalistas, estudantes no início, nunca esqueçam disso, porque isso é uma coisa que vocês vão ter que ter muita sabedoria sobre a questão social e estrutura, porque têm pessoas que têm um sentimento maior e outro menor. Gente, eu vi crianças com 8 anos alcoólatras. Vocês já viram alguém com 8 anos alcoólatra? Pois é, eu também achava que eu nunca ia ver, mas eu vi. Eu vi mulheres que já saíram em ambulância com a rachadura daqui para cá [sinaliza espaço entre o início e fim das costelas] e a perna da criança saindo, bebê, bebê [com ênfase] de porrada de marido. Vocês já viram isso? Eu vi tanta coisa na minha vida e eu ficava muito: “Meu Deus, como é que pode existir isso?”.

E cada vez que eu entrava em mais comunidades para levar a dança para dentro das comunidades, como também dentro da minha escola, eu fui me aprofundando e vendo isso, sabendo que pessoas, de manhã, não têm o que comer e que essas mães têm que achar que tá tudo normal, parece que elas vão chegar ao fim da tarde e vão trazer algo e aquela criança, às vezes um de 4 anos cuidando de um de 2, 3 meses! Gente, a questão social é tão profunda… Então a minha graduação [em Serviço Social], eu fiz por uma necessidade de entender a questão social, porque eu queria agir com a questão social de forma técnica, técnica. Eu queria entender tecnicamente o que era aquilo, porque eu precisei de um psicólogo, eu precisei fazer análise, porque me causou muito sofrimento ver o sofrimento tão grande que existe dentro dessas comunidades e da periferia. Então isso me fez estudar Serviço Social, melhorou muito, mas ainda é muito…

Julia: Agora falando um pouco da sua carreira. É muito claro que o ballet esteve presente em toda a sua vida e que esse estilo de dança está presente em toda a sua carreira também. Quando você fundou a escola de balé Grupo Bailarinos de Cristo [Grupo Bailarinos de Cristo Amor e Doação — BCAD], você imaginou esse impacto positivo esses trabalhos sociais poderiam trazer para a sua vida?

Janne: Nunca! Eu nunca planejei isso na minha vida. Nunca! É como eu falei: quando a arte entra em você, as coisas vão acontecendo. Por exemplo, eu… As minhas coisas são muito planejadas, né? Eu faço tudo muito certinho. No Fendafor, a gente tem uma equipe. Hoje, o Fendafor é o segundo maior festival do Brasil, um dos mais comentados, um dos mais amados que a gente faz no Brasil, pela organização dele, organização e planejamento. Mas eu nunca planejei. Eu nunca planejei nem ter o BCAD. O meu grande plano era abrir minha escola de balé […]. Aconteceram muitas coisas que talvez vocês não saibam, por exemplo: eu trouxe a primeira aula de jazz para o Ceará, que não tinha. Eu fiz meus cursos no Rio [de Janeiro]. A primeira aula de jazz dada no Ceará foi dada por mim. A primeira aula de sapateado e a primeira coreografia de sapateado também foi dada por mim. Então eu estava naquela loucura de abrir minha escola. Eu abri ela com 18 anos, muito cedo. Então, quando eu abri minha escola, era um grande sonho. Aquele sonho de menina que acha que, com aquilo ali, você tá arrasando, né? E, no final das contas, tem tantas outras coisas mais incríveis. E pronto, abri minha escola; inclusive, abri na Aldeota, mesmo morando no bairro de classe média baixa onde eu moro até hoje e não pretendo sair de lá, que é na Bela Vista. Eu tenho toda a história construída lá e em todo o entorno. E eu abri na [rua] Carlos Vasconcelos, do lado da [avenida] Santos Dumont [no bairro Aldeota]. Então eu me sentia assim, né?! [refere-se ao fato de ter aberto um escola na área nobre da cidade]. Mas eu fui me frustrando de uma forma… É por isso que eu digo para vocês: é alguma coisa que é maior do que você, que você nem sabe por que é.

Eu dormia lá toda feliz, na Aldeota e tudo. E comecei a ir para casa todo fim de tarde. Eu ficava pedindo a Deus que chegasse o fim de semana para eu voltar para casa. Comecei a ver que algo estava errado. Aí eu comecei a me sentir frustrada. Eu tenho uma secretária, ela é minha secretária desde o primeiro dia da minha escola, há 42 anos, e eu disse assim: “Tânia, tu não nota que ninguém precisa da gente para nada, não? Todo mundo chega aqui, tem o dinheiro pago, está tudo ali, ‘pêi e bufo’. Festival, quem vai? Todo mundo vai. A gente não precisa ajudar ninguém, é muito estranho isso, Tânia”. Até porque eu vivi em um bairro de classe média baixa, onde eu vi minha mãe ajudando as pessoas, o meu pai também. Eu achava aquilo muito estranho. Foi aí que eu percebi que a minha tristeza é que eu não podia fazer nada por ninguém, que eu nasci para fazer alguma coisa, eu não nasci para ser uma pessoa inútil, não. Foi a partir daí que eu vi que eu tinha que fazer outras coisas da minha vida. Mas eu nem pensava em ONG, nem se falava em ONG nesse tempo. Eu falei para o meu pai só que eu queria abrir minha escola de balé na Bela Vista.

E eu peguei, nessa época, o dinheiro do meu casamento, da entrada do meu apartamento, construí tudo no quintal da minha casa. E, cinco anos depois, eu voltei para a Bela Vista. E lá, na Bela Vista, as pessoas… Eram 10 cruzeiros, que é 10 reais hoje, 10 cruzeiros. As pessoas chegavam e diziam: “Não tenho 10 cruzeiros”. Eu ficava tão feliz porque eu podia dar aquela aula de dança de graça e ali começou a minha história. E aquela história de 1985 é cada dia mais forte. Então nunca passou pela minha cabeça fazer um planejamento. Aí, quando eu vi, eu já tinha 70 alunos de graça. Já tinha aula para as mães bem cedinho, porque não podia pagar também. E meu pai disse: “Olha, você tem uma história aí estranha, vamos conversar porque você precisa ganhar seu dinheiro. Você faz faculdade. Como é que você vai viver? Como é que você vai comprar seu carro? Como é que você vai fazer?”. Então meu pai virou um grande parceiro, um grande amigo, que ele é orientador. Mas foi isso, aconteceu dessa forma.

Isadora: Você já disse em outros momentos que “a arte cura, a arte salva”. De onde você acha que você acha que vem esse poder da arte, da cultura em geral? Qual foi o momento em que você percebeu esse poder?

Janne: A arte não só salva e nem só sara. Não é só isso, não. Ela é muito maior do que isso, ela te coloca no lugar de privilégio, de conhecimento, de luta. As pessoas que são artistas falam melhor, vivem melhor, comem melhor, escolhem coisas melhores, porque a arte dá um conhecimento muito além. Quando você é um músico, você aprende muitas músicas, e toda música vem de um sentido, vem da alma, vem de alguma coisa. A mesma coisa com a dança. Quando você começa a dançar, você movimenta seu corpo por algum sentido que você quer. A sua alma está levando para aquilo. Se você está triste, você tem uma coreografia mais triste, mais sinuosa. Se você está feliz, é o contrário. Aí que vai naquele momento, naquele encontro, sabe do teu corpo com aquele procedimento, ele te dá a paz que você precisa. Então eu sou testemunha do que eu tô te falando. Há muito tempo eu digo isso. Isso é uma frase minha há muitos anos.

Mas o trabalho que eu faço na ONG, em que eu vejo aqueles meninos tocando flauta e cantando; eu vejo eles se apresentando no teatro, as meninas dançando; meninos fazendo edição de vídeo; inclusão digital; os meninos sabem fazer a festa no computador. Como aqueles meninos têm o poder da cabeça, da consciência, da inteligência; como artisticamente eles se expressam em tudo, no teatro, na dança. E, além de salvar ele, ainda leva a família dele todinha junta. É uma salvação coletiva. E eu percebi isso no começo dos anos 1980. A outra coisa também que você vai ter mais convicção de que ela cura, de que ela salva, são as coisas que você vê, as mazelas, as agruras que você vai enfrentando na vida. Você vai tendo força dentro da sala de dança, com violão na mão.

Nota pelos teus próprios amigos que fazem alguma arte. Não a arte do jornalismo, que também é uma arte poderosa que vocês fazem. Você não tem noção, mas a arte mesmo, uma arte cênica ou esporte, que tem o mesmo poder. Nota como quando a pessoa está triste, ela vai tocar violão. Ela está no violão dela hoje, porque só um violão vai entender aquele momento dela. Eu já passei por problemas seríssimos de família, de casamento, de tudo. Quando eu entrava na sala de aula para coreografar ou para ensaiar, meu Deus, sumia. Esse mundo é muito menor do que a força que entrava com a minha arte. É tão incrível isso que eu estou te falando, que eu peço quando eu estou chateada, eu preciso anotar nas paredes lá de casa. Eu brigo com o meu marido. Eu boto: “Janne, se lembre; Janne, se lembre”. Porque eu sou tão light… Mesmo com a minha idade, com três filhos e dois netos, cheia de problemas, eu não guardo mágoa, eu não tenho essas coisas.

É tão incrível que eu preciso anotar que eu estou com raiva, senão, daqui a pouco, eu estou sorrindo para o meu marido, sem ele merecer, tu entende? Então, eu percebi isso porque ela me salvou. O primeiro salvamento foi comigo. Eu perdi uma mãe com 10 anos e eu resisti. Talvez tivesse sido horrível para mim, talvez fosse para o psicológico cheia de problemas. Um pai coronel, minha filha, você não sabe o que é isso não, viu? A salvação veio para mim primeiro, e daí eu vi o que ela pode fazer.

Rangel: Pensando na sua história com o grupo BCAD… Há alguns anos, você dirigiu o espetáculo Neura, que trata de alguns assuntos mais profundos, como inquietações e intranquilidades dos seres humanos. Pensando nisso, como funciona o processo de criação artística por trás desses espetáculos?

Janne: Quando eu pensei no Neura, eu pensei exatamente por a gente estar vivendo um momento de tanta ansiedade, de um labirinto, mesmo, dentro de você, da sua alma. A inquietação é filho brigando com filho, com o irmão, as mazelas mesmo. Os conflitos do dia a dia. Pronto, você pensa em fazer isso: okay, agora vamos estudar o que é isso? Aí vamos pesquisar sobre neura, que você acabou de me perguntar, e você falou sobre como fazer criação. Essa criação, eu jamais poderia te dizer: “Primeiro, eu fiz isso; depois, eu fiz aquilo”. Não, quando eu entro na sala e eu começo a fazer alguma coisa, como: “Gente, vamos buscar essa neura na vida de vocês, dentro do cotidiano de vocês ou no dia a dia de alguém que vocês conhecem e que te chama muito a atenção”. Às vezes, a gente tem alguém esquizofrênico; às vezes, a gente tem um pai que é neurótico; às vezes, a gente tem uma professora que a gente não suporta. Tudo na vida tem alguma coisa para você se orientar e pesquisar. Então a dança vai da mesma forma. Aí eu faço uma coreografia, a ideia puxa. Eu vou pegar esse recorte aqui, agora nós vamos falar, gente. Eu quero falar da dificuldade da segurança pública: como é que vivem as pessoas nesse mundo que não tem segurança?

Em qualquer momento, você está sentado na calçada, passa um atirador e te dá um tiro. Ou você está no lugar e na hora errada e acontece algo, entendeu? Isso eu estou falando em relação ao Neura. Para qualquer outro balé que você faça, é da mesma forma.

Rafael: Hoje a senhora atua como delegada do Conselho Brasileiro da Dança. Em termos gerais, quais as principais atividades que você desempenha como representante do Ceará?

Janne: O Conselho existe desde o final dos anos 1960. Ele foi fundado por uma grande professora, mestre de dança, a dona Elba, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e que envolveu grandes mestres de teatro municipal. Esse conselho foi criado para ter que existir uma ligação em cada estado de um trabalho realizado, e que vai dando certo, e você vai copiando, e você vai fortalecendo outro, para fazer uma rede, uma rede de dança. Só que, na época em que foi criado esse conselho, a coisa não funcionou assim, porque não existiam as redes sociais. Só que aí depois vieram o email e os encontros uma vez por ano.

Eu fui eleita em 2016 como conselheira. Eu vou falar de agora, porque agora vocês vão entender como esse conselho é poderoso. Quando eu fui eleita, já existia uma delegada, que já estava há muito tempo, mas ela não estava fazendo trabalho para a comunidade, porque ela não tinha tempo para isso. Inclusive é uma grande mestre daqui, do Ceará. Então eles escolhem uma pessoa que movimente, fomente, crie, proporcione. Diante dessas palavras que eu falei — fomente a dança, proporcione curso, a ida de um bailarino para fora do Brasil para estudar, bolsas — , ela luta por bolsas para dar como premiação. Ela fomenta a dança de forma que os bailarinos possam ter muito mais do que só aula de balé. E a criação de um festival. Nós temos 16 festivais do CBDD [Conselho Brasileiro de Dança] em outros estados do Brasil: Goiânia, Rio [de Janeiro], São Paulo, Amazônia, Roraima, um monte de lugar.

Então, esse festival aqui dá isenção, passagem aérea como prêmio, uma série de coisas para que esse grupo aqui que participou no do Rio, vá para São Paulo, de São Paulo para Rondônia, de Rondônia para o Ceará. E é essa confusão de cultura que é maravilhosa, né? Além de ele dar muito conhecimento, a gente também lida com muitos mestres, que a gente traz para ministrar cursos que jamais essas pessoas poderiam pagar. E esses mestres também são “olheiros”. Esses mestres às vezes trazem audições. E, nessas audições, tem um bailarino que ganha uma bolsa para passar um mês no Canadá, dois meses no ballet em Nova York, ou em um grande ballet que tem em Xangai, e assim vai.

E esses bailarinos vão conhecendo esses grandes centros de dança. Aí lá eles já participam de outros concursos, já ganhou outras oportunidades e viram o mundo. Então qual é o papel do Conselho? É realmente fazer caminhadas, de todas as formas, nas fronteiras e além fronteiras. Trazer conhecimento, fomentar espetáculo, divulgar a dança, divulgar os grandes bailarinos, capacitar professores.

O Brasil todo tem um déficit muito grande de professor de baby class, que deixa o aluno todo quebrado, que não trata direitinho aquela criança de 3 a 6 anos, que ela está em uma idade óssea de crescimento, entendeu? Então o CBDD hoje é o maior órgão de dança que existe no Brasil. E ele é filiado ao Conselho International de Dança. E ele tá em 12 ou 16 países da Europa, com sede em Atenas, na Grécia. E é um conselhão, viu? É um negócio muito bacana, é uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida, porque eu pude difundir muito mais, divulgar muito mais e fomentar muito mais a dança do Ceará.

Julia: A senhora faz parte da diretoria de um dos principais projetos com foco na cultura e arte do estado, o Fendafor [Festival Internacional de Dança de Fortaleza]. Para você, qual é a relação do Fendafor com a população de Fortaleza e com a promoção da arte e da cultura no Ceará?

Janne: Gente, o Fendafor é um projeto tão bonito, tão bonito. Porque o Fendafor nasceu… Só para vocês entenderem o que é esse projeto do Ceará. O Fendafor nasceu no ano 2000, mas ele começou a ser construído na minha cabeça em 1997, e na cabeça de outros três professores de dança daqui, do Ceará. E por que é que eu comecei a planejar o Fendafor? Eu já tinha uma ONG aberta desde 1994, eu atendia 70 crianças, depois 170, depois 200, e eu estava atendendo 500 ao ano. E eu pensava assim: “Meu Deus, onde eu vou colocar essa ruma de gente para dançar? Se para minha companhia dançar já é difícil conseguir dinheiro para ir para um festival, uma turnê, uma coisa e outra, o que eu vou fazer com essa ruma de gente?”.

Porque, se eu tô falando de autoestima para eles, eu tenho que dar alguma história para eles, eu tenho que dar alguma coisa que levante mesmo a autoestima. Eles têm que ser aplaudidos, eles têm que ser vistos, eles têm que saber que eles têm talento para mostrar que o palco é nada depois que você aprende, entendeu? Aí eu comecei a pensar: “Gente, eu tenho que criar um festival, que seja do governo, que seja meu, né? Privado, mas que o governo pague a conta, para nem só os meninos BCAD dançarem, mas de outros projetos sociais, e também grupos aí de Maracanaú, Caucaia, grupo da periferia. Porque como é que eles vão pagar uma produção?

Então, o Fendafor nasceu para isso, para abrigar esse monte de gente em palco, para melhorar sua autoestima, para as pessoas verem um futuro aqui. Não tinha nada daqui, do Ceará. Pronto, quando eu criei o Fendafor, que eu vi grupos de Maracanaú, grupo de Caucaia, grupo do interior de todo lugar, e a [bailarina carioca] Ana Botafogo também, que a gente trouxe ela e grandes bailarinas, pronto, é isso que eu quero, eu quero provar que a Ana Botafogo pode dançar e, assim que ela sair, um outro pode dançar no mesmo canto que ela. Ele só não chegou ainda aonde ela chegou. Se ninguém der uma chance para ele, ele nunca vai chegar.

Gente! Quando eu criei o Fendafor, eu sempre dava entrevista, eu comparava com primeiro emprego. Lá no começo dos anos 1990, eu já falava sobre isso; no ano 2000, quando eu criei, eu falei: “Gente, isso daqui é como primeiro emprego para o bailarino. É o primeiro lugar em que ele vai dançar, sem ele me provar que ele sabe dançar, ele não precisa provar nada. Ele só precisa ter vontade de dançar, fazer a coreografia desses professores ainda não são boas, não se tem grande mestre, e a dança ainda tá avançando no Ceará. Mas, só de eles terem um palco, eles vão sentar para ter parâmetro.

Rangel: A senhora afirmou recentemente, em entrevista à TV Ceará, que foi a primeira mulher a produzir um festival totalmente online durante a pandemia [de covid-19]. Eu queria saber como foi para a senhora a repercussão desse festival e ver que as pessoas engajaram tanto e se dedicaram tanto ao projeto — mesmo ele sendo remoto.

Janne: É porque, quando veio a pandemia, foi um baque muito grande. Quando parou, o primeiro lockdown foi em março de 2020, ninguém imaginava que eram sete, oito meses aqui e ali, todo mundo achava que eram de 15 dias a um mês, né? E, como eu sou a vice-presidente também das academia de dança do Ceará, a gente faz parte do grupo e tá todas as escolas de dança lá, e era um choro, sabe? Todo dia que acorda: “Cobra a matrícula, não cobra”, “meus alunos estão indo embora”, “ah, não vão querer pagar”. E começou mesmo com um desespero daqueles grupos e eu, como sempre, né, quero mandar na vida de todo mundo, ajudar todo mundo e já comecei a tramar o que que eu podia fazer para ajudar aquelas pessoas que estavam perdendo mesmo, como rebanho mesmo, aluno. Aí, eu fiz uma reunião: “Gente, vamos fazer uma reunião”. A gente nem precisava avisar, né? A reunião era no celular mesmo normal. Aí eu dizia: “Gente, vamos fazer o seguinte: vamos fazer, eu vou fazer o festival online. Eu tava conversando com o meu cunhado, com a minha filha, de a gente fazer o Fendafor Home Experience, que é a experiência em casa, pra gente não, para que as pessoas não aglomerem, não passa do… nem nada. “Só que ela não é, não tem nem emoção, não sei o quê”. Eu disse: “Tem, gente! Tem a emoção, sim! É o que a gente tá vivendo. Isso. Agora é isso. Imagina, você vai chamar os seus alunos: ‘Gente, a Janne Ruth vai fazer um teste online, vamos participar?’ Aí, dia do resultado vai ficar todo mundo aqui em casa, vamos assistir à live online, não sei o quê”, sabe? Começou aquela coisa, assim, meio de todo mundo começar a entender que os alunos voltariam. Aí eu criei, fui criando várias coisas: criei sorteios, consegui várias coisas com loja, que nesse teve até de dinheiro, roupa de dança, a vaga em festivais fora do Brasil e tudo. Contratei logo a Mayara Magri, que hoje é a primeira bailarina do Royal Ballet, uma brasileira que tá no Royal, lá em Londres. Maravilhosa. Comecei a fazer coisas que impactassem, tá entendendo? Aí virou uma febre mesmo. Eu tive 380 inscrições só com solo. Quando eu fiz o Fendafor 2020, que já foi no final do ano, eu tive 3.400 [inscrições]. Uma loucura! E era tanta gente participando… Aí, no final, com tudo, com a live, a gente chamava cada uma das menininhas. “Ai, tia, tô tão nervosa, tô tão feliz, a minha barriga, eu tava assim, eu tava toda me tremendo”. E você via o tanto que aquilo impactou na vida dela. Assim que eu terminei esse festival, foi uma febre. Eu testei ele para fazer um em 2020, [comemorando os] 20 anos de Fendafor e 110 anos de [Theatro] José de Alencar. Ia fazer a festa junto. Eu testei. Cara, só consegui fazer no final do ano [de 2020], porque era tanto festival que, se eu entrasse pro Fendafor ali, eu ia atrapalhar, né? Mas você já tá entendendo como é uma questão de criatividade? Criei também o vídeo mais curtido: quando a pessoa curtisse, teria que seguir aquela página e tudo mais. Aí, depois o depoimento disse: “Janne, eu ganhei 500 seguidores na minha academia, só agora nesse festival”. E era tanta coisa boa. Incrível, incrível! E todo mundo que fazia um festival dizia assim: “Ah, obrigada aqui. Um abraço, minha querida Janne Ruth, que me inspirou a fazer o festival online”. E foi isso. É você ter força de vontade de acreditar e o mais importante: meus alunos voltando pra escola. Aí, em seguida, eu criei as aulas online. No festival, eu falei: “Gente, vamos pegar a cadeira em casa. Vamos segurar no guarda-roupas, na televisão, no fogão e vamos fazer aula em casa”. Como é que vocês vão ficar sem fazer a aula? Vão amufinar! Porque ballet amufina. Ballet, se você não faz a aula todo dia, você passa uma semana e você enferruja! É igual máquina de tudo. Qualquer máquina que você não usar, ela vai enferrujar — e carne também! E pronto. Aí começaram as aulas online. As escolas ganharam de 40% a 50% dos alunos que já tinham ido embora e deu para ir levando, para não ser pior, né? Porque a pancada da pandemia foi muito grande. Mas foi isso o festival online. Ai, foi uma delícia. Eu adoro falar sobre isso.

Isadora: Nos últimos 24 anos, como você disse, já foram mais de 20 mil crianças e jovens atendidos por influência direta sua. Como vocês fazem o trabalho para que esses jovens promovam a arte que vocês promoveram a eles?

Janne: Bom, é porque assim: toda arte é muito demorada. Música, você não faz em um ano, você tem minimamente que fazer dois anos, que é aquela música básica. Teatro, basicamente, aquele básico, do básico, do básico também é um ano. A dança são nove [anos], né? E assim vai. Nove anos para se formar em uma faculdade. Então, o acolhimento é muito importante para você apresentar novas possibilidades. A criança vai fazer dança, ela vai: “Eu quero fazer balé de graça”. Só que o ballet não é fácil, é muito difícil. Então, em contrapartida, a gente dá aula de jazz também, danças urbanas, a gente dá aula de alongamento, de um monte de coisa para ela não fazer só o ballet que é tão difícil, né?

A música é a mesma coisa. Quem faz música escolhe outra modalidade, aí pode escolher artes visuais, pode escolher cinema e vídeo. A nossa ONG, que é muito completa, tem natação, karatê, artes, oficinas artísticas, cinema e vídeo, teatro, dança. É muita coisa. Então é sempre de uma forma que a criança se adapta de uma forma ou de outra. Mas o mais importante da nossa instituição é a parte da educação, que eu nem sabia — quando eu abri a ONG — que essa seria a parte que iria revolucionar e mudar a história. E o que muda a nossa história é a educação. É o conhecimento e a liberdade. É fazer essas coisas que são resistência.

E a liberdade vem através do conhecimento. Porque uma pessoa que tem conhecimento é livre. Ela sabe falar, ela sabe lutar, ela sabe opinar. Quem não tem conhecimento é muito triste, fica só balançando a cabeça e tudo tá certo. Então são 29 anos de ONG. A gente vai apresentando coisas. Quando você vê que um aluno começa a faltar, você chama, você conversa e fala: “Você vai ser a princesa do festival e blá blá blá”. E vai levando e vai trazendo essa pessoa. E a família também, a gente tem roda de conversa, atendimento odontológico, uma série de coisas que vai envolvendo também a família, o pai e a mãe. A gente tem outros trabalhos em que a criança traz o vizinho da esquerda e o vizinho da direita para que o vizinho da esquerda e o da direita tenham consciência da vida impactante daquela criança a partir do BCAD, a partir do que o projeto fez na vida dela.

Aí, pela educação, a gente começa a trabalhar coisas normais dentro da educação, a educação ambiental, a educação da saúde. Temos do dia a dia, como deveres, serviços essenciais básicos, para eles entenderem o lugar deles no mundo, para eles terem uma maior visão do mundo, mas dentro da idade de cada pessoa. Uma palestra para uma criança de 6 a 10 anos é toda infantil, ela é toda de uma forma mais lúdica. Aí, quando você conversa com uma de 10 a 12 anos, já tem outros impactos, já fala de menstruação, de outras coisas. E, quando você pega jovem, aí você, além de falar de coisas mais pertinentes à idade dela, você também mostra para ela que o vestibular, que hoje é o Enem, pode mudar a vida dela. Aí você vai fazer o trabalho nesse sentido. Apoio pedagógico, incentivo à leitura e à escrita. A gente faz campeonato de poesia, dá caixa de chocolate. Tu viu que, por trás de tudo que eu falo, tem um incentivo, né? Porque, se não tiver, a vida delas é sem graça. Dentro das comunidades, muitas vezes vivida com o pai alcoólatra, onde a droga manda em tudo. Então elas não têm muito estímulo. Mas, quando a criança engata dois, três anos no projeto, ela vai simbora. Para vocês terem ideia, para encerrar aqui, em relação ao BCAD, porque eu tenho muito orgulho: a gente tinha três séries do BCAD; uma não deu mais certo porque era muito trabalho pra gente fazer a parte; mas a gente tem duas, uma no [bairro] Vicente Pinzón e outra na Bela Vista. Todos os nossos professores hoje nasceram do BCAD, se formaram com a gente. Então você pode imaginar que o que eu tô falando aqui para vocês, que uma criança quando ela chega lá a professora que vai atender ela foi, um dia, alguém que chegou lá em busca de uma oportunidade. Então ela vai ter muito orgulho de receber aquela menina porque ela se vê nela.

Eu encontrei já situações em que os professores, não tendo esse carinho, sem esse amor… Mas aí a vida desse professor é mais conturbada, mesmo com as chances que ele teve. Já levei duas vezes para a Europa nas turnês que a gente faz, e a pessoa continua um pouco rude. Mas a vida leva às vezes para esse lado. Mas ele já conheceu o amor, ele já conheceu a graça. Ele já tem o conhecimento, já tá fazendo faculdade. Então ele já foi para o caminho ótimo, tá entendendo? E, no meio do caminho, como eu falei, a gente perde centenas, né? Perde uma menina de 8 anos, 9 anos para a gravidez, para a droga, para a bebida. Mas a gente ganha milhares, né? Não tem jeito, não. Na universidade, tem quantas pessoas na sala de vocês? 40, 30? Eu garanto a vocês que esses 30 não vão até o fim. Alguém pode ali, no meio do caminho, ver que quer fazer outra coisa na faculdade ou vai casar e vai acabar voltando para outra coisa. Porque nem a universidade vai garantir que todos que entram saiam. No meu curso de Geologia, tinham 63 e só se formaram 31. E no meu [curso] de Serviços Social, eram 42 e só se formaram 19. É a vida que faz isso. Mas, como você perguntou, acho que é a coisa mais importante da minha história, né? É isso, gente.