
Fronteiras invisíveis: entre o sonho e a realidade
Por Adélia Wirtzbiki e Julia Oliveira
Os sonhos de muitos estudantes brasileiros se encontram quando o assunto é morar fora, e a graduação no exterior tem aumentado em um ritmo acelerado. Saindo do país, os estudantes aproveitam a língua nativa para desbravar um dos países que servem de porta de entrada para os brasileiros: Portugal.
Nas terras lusitanas, a qualidade de vida e as altas expectativas podem encontrar um grande obstáculo: o choque cultural e a xenofobia. A temática foi assunto no país no mês de novembro, quando uma brasileira que morou em Bragança (Portugal), foi vítima de ataques preconceituosos no aeroporto de Porto.
“Pode filmar o que você quiser, pode até pôr na internet. Sua porca. Vai para a sua terra, sua porca. Sou portuguesa de raça. Você que é brasileira. Vá para a sua terra. Estão invadindo Portugal, essa raça de filha da p***”, disse a portuguesa.
De acordo com pesquisa feita pelo STB, que atua no segmento de educação internacional, em 2022 houve um aumento de 30% na busca por graduação e pós no exterior, em comparação a 2019. Segundo o balanço do Itamaraty, atualmente Portugal concentra a maior comunidade brasileira na Europa, com cerca de 360 mil imigrantes estimados, superando o Reino Unido, em segundo lugar, com 220 mil.
Um desses imigrantes é Lucas Urbano, jovem nascido em Santa Catarina. O estudante sempre teve o sonho de morar fora e ao finalizar o Ensino Médio, utilizou sua nota do Enem para iniciar uma graduação no exterior com uma bolsa de incentivo, na Universidade de Aveiro, em Portugal. O estudante está no 5º semestre do curso de Línguas e Relações Empresariais e vive no país desde 2021.
De acordo com Lucas, alguns fatores foram relevantes na hora de escolher o seu destino, como poder contar com as facilidades referentes à relação do Brasil com Portugal. Atualmente, os alunos que realizarem o Enem podem concorrer a vagas em mais de 50 Instituições de Ensino Portuguesas. A admissão é efetuada por meio do programa Enem Portugal e pode ser feita por qualquer um que tenha realizado o exame.
Lucas Urbano também compartilha que o custo de vida no país se tornou muito atrativo.
“Ao fazer as contas, era quase que mais barato eu estudar em Portugal do que estudar em uma Federal em Florianópolis, que era o que eu pensava para minha vida”, diz.

Além das fronteiras
Sobre a recepção no novo país, Lucas compartilha que se considera privilegiado por ter chegado como um estudante. “Ser uma pessoa que já vem com um visto, que teve acesso a uma residência muito mais facilmente e muito dos processos eu tratei com a Universidade, que em via de regra é um ambiente muito mais plural e que inclui muito mais”, explica. De acordo com o site da própria Instituição, a Universidade de Aveiro (UA) é frequentada por mais de 2000 estudantes estrangeiros, de 85 nacionalidades, entre os quais os oriundos dos países pertencentes à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
A Instituição de ensino conta com um departamento só para estudantes internacionais, que auxilia com as documentações necessárias. Além disso, uma Associação Internacional de Estudantes, a Brasa, possui uma filial em Aveiro e também contribui no auxílio desses jovens.
“A Brasa junta alunos, principalmente brasileiros, para que eles troquem experiência, eventos, festas, tudo isso para facilitar a adaptação de alunos internacionais na Universidade”, relata.
Lucas ressalta que teve uma outra facilidade: a possibilidade do alojamento universitário. O jovem conseguiu uma vaga e “isso foi muito bom, a habitação é muito cara e conseguir uma pode ser difícil, até porque muita gente se aproveita e até aplica golpes”, declara.
Na adaptação cultural, a experiência na terra lusitana não foi totalmente positiva. O estudante sente que ele e seus amigos brasileiros que também moram no país enfrentam as diferenças culturais entre os dois povos, permeadas pela diferença de tratamento. O jovem afirma que viveu muitas situações em que os nativos foram demasiadamente rudes sem necessidade, além de corrigirem seu português, apesar de sua fala ser de completa compreensão.
A acomodação em Portugal também pode ser dificultada pelas mudanças de regulação no país. No dia 29/11, saiu de cena o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) que lidava com atividades policiais, de controle fronteiriço e de atendimento documental de imigrantes. Passou a funcionar, então, a recém-criada Aima (Agência de Integração, Migrações e Asilo), voltada à documentação e à inserção de quem vem de fora na sociedade portuguesa — as demais funções do SEF foram redistribuídas entre as forças policiais lusas.
O estudante fala que é impossível se preparar completamente para a mudança de país, mas que gostaria de ter tido mais contato com portugueses para saber mais sobre seus aspectos culturais. Também relata sobre a dificuldade de conciliar os estudos e o trabalho, ainda mais na condição de imigrante. “Nessa da gente ser imigrante, às vezes a gente aceita, no desespero, oportunidades de emprego que não são as melhores”, diz.
Lucas Urbano também relata sobre o uso dos Recibos Verdes em Portugal, uma fatura de serviços que é emitida por um(a) prestador(a) de serviço independente, como autônomos, freelancers e trabalhadores de forma geral, que não possuem um vínculo empregatício com nenhuma empresa. Para o trabalhador, não ter um vínculo dependente implica, de modo geral, estar menos protegido, não só em termos contratuais, mas também no que toca aos acidentes de trabalho e à Segurança Social. Muitos dos moradores estrangeiros, a exemplo de sua namorada, submetem-se a esse tipo de trabalho, que muitas vezes pode ser precário.
Integração e emprego em Portugal
As dificuldades burocráticas e o preconceito contra brasileiros representaram empecilhos para a experiência de Débora Maia, jovem brasileira que morou por 1 ano em Portugal. Hoje, estudante de Psicologia no Ceará, Débora conta que a mudança para o país foi algo espontâneo e ela foi junto com a mãe.
Quando Débora desembarcou em Portugal, imaginou um cenário de calor humano e acolhimento, mas a realidade lhe reservava uma dose de frieza cultural. A adaptação não foi como nos filmes, com abraços calorosos, mas sim uma jornada de compreensão das nuances de uma sociedade que opera de forma mais contida.

A jornada acadêmica em Portugal se transformou em uma batalha árdua. Ao tentar ingressar em um Curso Técnico Superior Profissional (CTeSP), deparou-se com um cenário de concorrência intensa, onde teve suas notas inexplicavelmente alteradas durante o processo a tirando das vagas classificáveis. Ao questionar o motivo da mudança nas notas, recebeu a resposta de que isso acontece com estrangeiros “então eu acabei não entrando no curso porque eles não quiseram, simples assim”, conta Débora. A xenofobia, infelizmente, fez sua presença, lançando um desafio adicional para uma estudante que buscava simplesmente aprender e contribuir.
Em Portugal, o acesso às universidades muitas vezes se dá por meio de processos seletivos que exigem notas e desempenho acadêmico. No entanto, casos como o de Débora ressaltam que, para alguns estrangeiros, especialmente brasileiros, a competição pode ser ainda mais acirrada. A xenofobia institucional, evidenciada pela modificação injustificada das notas de Débora, destaca um obstáculo real que alguns estudantes estrangeiros enfrentam em busca de educação superior.
Além do caso de Débora, outros relatos indicam que a recusa no ingresso universitário não é um fenômeno isolado. Muitos estrangeiros enfrentam barreiras significativas, seja por questões de discriminação ou por dificuldades em compreender as nuances do processo seletivo em um país estrangeiro. É necessário discutir mais sobre os processos de admissão nas instituições de ensino portuguesas, buscando garantir a igualdade de oportunidades para todos os estudantes, independentemente de sua origem.
Desafios no mercado de trabalho em Portugal: resistência e estereótipos
Não conseguindo estudar, Débora parte para sua próxima empreitada, a busca por emprego. O processo, longe de ser uma caminhada tranquila, se assemelhou a uma trama intrincada. A resistência em contratar estrangeiros, com ênfase na comunidade brasileira, tornou-se um verdadeiro obstáculo.
A marca da xenofobia no mercado de trabalho é evidenciada pela relutância de empregadores em considerar candidatos estrangeiros, muitas vezes sem uma explicação clara para as rejeições.
Como explica Débora, “no trabalho eles não têm costume de dar muita ‘trela’ para brasileiros, eles gostam muito mais de contratar as pessoas da terra deles. Eles não querem tantos brasileiros ali porque na cabeça deles os brasileiros querem dominar tudo”.
Os estereótipos enraizados sobre brasileiros, como a percepção de que buscam “dominar”, adicionam uma camada adicional de complexidade à situação. Essas generalizações prejudicam a avaliação justa das habilidades e competências individuais, criando uma barreira que vai além da avaliação objetiva de qualificações. Segundo dados da Comissão para Igualdade e contra a Discriminação Racial, de 2017 a 2021, as denúncias de casos de discriminação em Portugal aumentaram em 505% e é essa discriminação que impede que não apenas brasileiros, mas todos os estrangeiros, mantenham uma vida de qualidade no país.
A experiência de Débora destaca a necessidade de uma reflexão profunda sobre as práticas de contratação em Portugal, visando garantir um ambiente mais inclusivo e igualitário. A superação desses obstáculos exige não apenas uma mudança nas atitudes dos empregadores, mas também uma conscientização mais ampla sobre a contribuição valiosa que profissionais estrangeiros, como os brasileiros, podem oferecer ao mercado de trabalho português.
E a vida social, onde fica?
Fazer amigos já não é uma tarefa fácil em seu próprio país, agora em países estrangeiros é um desafio sem igual. Em vez de uma integração fluida, a experiência se assemelhou a uma complexa partida de futebol, na qual as barreiras culturais e a xenofobia desafiaram sua determinação de se enturmar. O resultado? Débora encontrou-se em uma espécie de “friendzone” social, travando uma batalha para estabelecer conexões afetivas em seu novo lar.
A resistência em aceitar estrangeiros como parte integrante da comunidade local, somada à persistência de estereótipos negativos, criou uma barreira que a deixou à margem das relações interpessoais, “(Os portugueses) são muito fechados, frios e rígidos, não é sempre que você vai dar um sorriso e receber outro de volta”, conta.
A luta de Débora para construir laços afetivos não apenas ressoa em sua experiência pessoal, mas também reflete o impacto mais amplo dessas barreiras culturais e xenofobia. O isolamento social afeta não apenas o bem-estar emocional do indivíduo, mas também a riqueza cultural que a interação entre pessoas de diferentes origens pode proporcionar.
Desilusões e a realidade da busca pelo sonho europeu
Débora, como muitos brasileiros, embarcaram para Portugal com expectativas elevadas e o sonho de uma adaptação tranquila. Acreditavam que a jornada seria repleta de descobertas positivas e interações acolhedoras, mas a realidade que enfrentaram foi uma série de desafios marcados por barreiras culturais, xenofobia e dificuldades nas esferas acadêmica, profissional e social.
A história de Lucas e Débora ressoa como um alerta para a desconexão entre as expectativas e a realidade enfrentada por muitos brasileiros que buscam o sonho europeu. O choque entre a visão idealizada e os desafios reais destaca a importância de uma compreensão mais profunda das nuances culturais, dos processos de integração e das dinâmicas sociais em países estrangeiros.
Ao compartilharem suas jornadas, os jovens não apenas revelam as dificuldades que enfrentaram, mas também oferecem uma oportunidade valiosa para reflexão. A percepção de que a adaptação seria mais fácil do que realmente foi ressoa como um lembrete crucial para aqueles que aspiram à vida em terras estrangeiras. Este capítulo da história deles destaca a necessidade de abordar a busca pelo sonho europeu com um entendimento realista, reconhecendo que, enquanto as recompensas podem ser significativas, os desafios também são parte integrante desta jornada.
Post a comment